mea culpa

consegues sempre, mesmo quando tudo está perfeito, sentires-te culpada.

serei feliz


se conseguires que, ao teu lado, a minha cabeça continue com todos os nós por atar, serei feliz.

demitida da alegria

o lugar que ocupas é de tal forma insignificante que é sempre posto á disposição.

o avião preso ao chão também mete medo.

da janela dos meus olhos vejo-te desorientada.
largada, depois de um avião que te rodopiava, segura, de mãos dadas ao teu pai.

não me quero ouvir. aquela voz de dentro.

hoje, quando for caminhar na praia, de mim, só quero ouvir o silêncio.
quando olhar para trás, não quero ver um só registo da minha passagem.

não. é verdade.

não é verdade que voltei aos meus quinze anos com tudo o que sei agora, menos as dores.
não é verdade que corro por entre os campos de milho que se transformam em montes verdes de praias selvagens com mares bravos de penhascos por onde correm rios de agua gelada coberta de uma neve branca que cega os olhos que vêm árvores verdes gigantes de uma floresta cerrada....
não é verdade que me solto da roupa que nunca tive e corro nua numa liberdade que me faz voar e caio sobre um corpo que não é o meu mas que me segura, me prende, me entra, me cega....
não é verdade.... mas eu sinto.
sinto o corpo acordado, atento... sinto umas mãos que me percorrem a alma... o coração... a pele...
eu sinto. não é verdade. mas eu sinto.
sinto beijos. beijos que me fazem esquecer o meu nome.
não é verdade que esta vida seja a minha vida. ou talvez seja.
não é verdade que isto que sinto seja mesmo meu. mas é.
apaixono-me todos os dias desde que acordo até que adormeço.
talvez me apaixone em momentos enquanto durmo em sorrisos que dou em segredo...
nada em mim se acalma, mesmo quando me acalmo ao lado dele. porque ao lado dele nada em mim é calmo.
não é verdade que escrevo isto, porque nada disto que escrevo é verdade. a única verdade é o que sinto. e o que sinto está na verdade de tudo o que lhe dou.

coisas pequeninas

coisas pequeninas que me fazem rir.
coisas pequeninas que me fazem voar.
coisas pequeninas que me fazem viver.

mas coisas pequeninas fazem-me chorar
coisas pequeninas atiram-me ao chão.
coisas pequeninas vão-me fazendo morrer.

que fácil é.
ir de um lado ao outro

mas estou tão cansada disso...

Lisboa que amanhece

briginha na ginginha - lisboa

"Cansados vão os corpos para casa
dos ritmos imitados de outra dança
a noite finge ser
ainda uma criança
de olhos na lua
com a sua
cegueira da razão e do desejo

A noite é cega e as sombras de Lisboa
são da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
amou como se fosse
a mais indefesa
princesa
que as trevas algum dia coroaram

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece

O Tejo que reflecte o dia à solta
à noite é prisioneiro dos olhares
ao cais dos miradouros
vão chegando dos bares
os navegantes
amantes
das teias que o amor e o fumo tecem

E o Necas que julgou que era cantora
que as dádivas da noite são eternas
mal chega a madrugada
tem que rapar as pernas
para que o dia não traia
Dietrichs que não foram nem Marlenes

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece

Em sonhos, é sabido, não se morre
aliás essa é a única vantagem
de, após o vão trabalho
o povo ir de viagem
ao sono fundo
fecundo
em glórias e terrores e venturas

E ai de quem acorda estremunhado
espreitando pela fresta a ver se é dia
a esse as ansiedades
ditam sentenças friamente ao ouvido ruído que a noite, a seu costume, transfigura

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece"

Sergio Godinho


lisboa amanheceu em tantas histórias da minha vida.
amanheceu em sonhos.
cantando no interior da minha cabeça.
lisboa amanheceu nas minhas primeiras férias sozinha. comigo.
quando atravessava o tejo
a caminho de tavira. da ilha. sozinha.
as primeiras férias só comigo.
em que fiz um amigo. que coisa mais linda não há.
em que fiz outros.
em que fiz esta.
lisboa amanheceu em conversas.
em abraços.
em braços.
em beijos.
lisboa amanheceu em corpos.
tantas vezes amanheci em lisboa.
e adormeci.
tantas vezes levei o corpo cansado para casa.
mas feliz.

um abraço até ao fim dos dias para a minha mó

que seja tudo hoje, então.

não compreendem?
não conseguem fazer igual?
nem tão pouco concordam?

é hoje que vivo tudo como se não houvesse amanhã.

porque não há amanhã.
e a vida tem de me acontecer.

saudades

estive a ver umas fotografias tuas
daquelas que não fui eu que tirei, por isso ainda não conhecia.
já faz tanto tempo que não ouço a tua voz.
que não te ouço rir.
que não converso contigo sobre as maiores parvoíces
ou aqueles assuntos tão, tão difíceis que só tu consegues decifrar.
já faz tempo demasiado.
já nos podíamos voltar a juntar e matar saudades.
mas não podemos.

lembro-me tão bem das nossas vidas em quarto fechado
com aquelas coisas só de mulheres.
no meio de pinças e ceras e segredos e dicas.
cremes, colares, celulites, roupa interior, gorduras.
caretas, personagens, palhaçadas, cantigas e danças.

os teus banhos de mangueira no jardim
o gel pousado no parapeito da janela
para não desperdiçar conversas.
a espuma azul, porque era talvez o mais barato do supermercado.
o jardineiro que passava sempre na altura que não devia.
ou outra pessoa qualquer.

as toneladas de fruta que comias de manhã.
e que levavas para a praia.
os sumos de ameixa para os intestinos preguiçosos.
os vestidos que já faziam parte de ti
velhinhos, já sem cor
mas que não trocavas por nada.
se não me engano é ainda um desses que trazes vestido agora.
pelo menos algures dentro da minha lembrança.

os passeios pela praia.
com os pés dentro de água.
os banhos demorados no mar do algarve.
os cigarros.
as minis.

os capuchinos que bebias enquanto estudavas.
as pausas de um humor sempre tão teu.
os cinemas.
as conversas sempre á volta de um bom prato.
ou de um prato qualquer.
os calores que te subiam á cabeça só com aquela caipirinha.
ou com aquela sangria.

a tua vida no porto.
os passeios ao douro.
a alijó.
o algarve.
celorico.
lisboa.
as tuas irmãs.
a tua mãe.
a tua avó.
o teu carro.
os teus colares.
a tua casa.
as tuas fotografias.
a tua musica.
os teus programas de televisão.
os dias 27 de todos os meses.
o dia 27 de abril.

está a fazer um ano.
tenho tantas saudades tuas.
de que forma posso ir dar-te um abraço?
e dizer-te que gosto tanto de ti?

desliguem-me a máquina

se virem que não respondo ás perguntas que me fazem.
se virem que o meu olhar está vidrado em parte alguma.
se o meu coração bater de forma descontinuada.
se a minha boca estiver seca.
se o sorriso custar a sair.
se deixar de estar lá para vocês.
se passar o dia todo a dormir
e ainda mais uma parte do dia seguinte.
se as frases forem ditas sem sentido.
se de repente for alguém que não sou,
mesmo que eu diga o contrário.
se parar de pensar.
se parar de sentir.
se a raiva se apoderar da minha voz.
se tudo isto se mantiver por tempo demasiado longo,
que vocês achem que eu nunca suportaria,
que vocês já não suportem,
desliguem-me desta máquina,
que me mantém aqui,
já sem fazer nada.

por favor.

ainda quero. posso?

que quero eu?
aquela ansiedade de quem vai para a matiné às escondidas.
os beijos e abraços escondidos nas dunas naquele verão.
as cartas que nunca mais chegam no correio mas que acabam sempre por chegar
o nó no estômago da mão dada no escuro do cinema.
as pernas a tremer daqueles slows nos braços do então nosso para sempre amor.
aquelas conversas pela noite com o melhor amigo de sempre.

quero aquilo que me faz sentir.
quero a pele de galinha
quero os cabelos de pé.

não me conformo com menos do que isto....
não quero.

ilha verde

gostava que me tivesses levado.
na asa de um corvo para essa ilha vinda do fundo da terra.
ilha verde.
ilha das poças de água gigantes onde me podia perder.
ilha daqueles animais donos do mar
com quem sonhava viver
que choram, que se aninham, que riem, que dançam.
gostava de me ter cegado
disso.
de tudo isso.
que guardo na minha memória
de todas as histórias que ouvi.

restos

ainda tenho em mim restos.
restos de coisa alguma.
de nada.
mas restos que ocupam espaços nas veias.
no estômago.
na mente.
restos que vomito.

voltei

infelizmente voltei.
com mais uma tristeza em mim.
e culpa minha. como sempre.

malditas asas que teimam em abrir..... sozinhas

palavras...

as palavras mais bonitas do mundo de nada me servem se só me dás o que tens de mais feio.

largo-te

faz tanto tempo que não venho aqui falar-te de mim...

que bom.

ela voltou. cheia de samba.

ela é uma nuvenzinha de um vento quente quando o que apetece é estar sentada na areia a olhar o mar de novembro.
ela é o silêncio ao nosso lado enquanto se ouvem as ondas nas rochas ou as gargalhadas, as histórias, os sonhos, embrulhados nos pés descalços na areia.
ela é uma menina muito pequenina que apetece guardar na palma da mão e cobrir com uma bola de algodão. e proteger. mas também se transforma. e cresce. e as pernas se esticam e dança e salta como ninguém. e os braços se transformam em asas e sai a voar mais alto que os pássaros, os aviões. ou em barbatanas e mergulha no mar, nos rios, nos lagos, e agarra-se nas baleias, nos golfinhos, e segue-os atravessando os oceanos.
ela não é uma menina assim. como uma menina qualquer.
ela é uma bola de fogo e luz quando estás profundamente perdida na noite e no escuro e as pernas não se mexem de tanto medo e frio.
ela é aquela musica que te apetece ouvir e sair a dançar pelas ruas, quando acabou de chover e ainda sentes o cheiro a terra molhada.
ela é a aquele sorriso que te sai da boca. sincero. genuíno. automático. só porque ela aparece.
ela é a ventania que te arrasta as poeiras da alma. e do corpo e te faz levitar. no meio dos amigos. na vida.
ela é o descanso no sofá, depois de um dia de trabalho.
o abraço apertado quando não precisas de mais nada.
a casa.
o colo.
ela é o nosso silencio.
o nosso riso.

bendita concha que ela tem.
para onde vai de quando em quando.
sozinha.
refazer-se.
repor-se.

mesmo nessa altura
tudo o que ela nos deu
permanece.
e sabemos
que ela volta.

como eu gosto de ti. e que saudades tinha tuas. minha menina que é um doende que gosta de estar descalço á beira do lago.

que força é essa amigo

será que é o sol que me entra na pele, entranha o corpo, até ao interior da minha terra?
serão as ondas que por olha-las e ouvi-las da forma que as olho e ouço me penetram na cabeça, me centrifugam o cérebro, e me voltam a largá-lo á beira-mar quase morto de tão vivo?
será o vento que me levanta os pêlos, abre os poros, as entranhas, me arrepia a pele, me puxa o cabelo, me afaga, me abraça?
entro em casas que foram minhas, vejo camas onde dormi abraçada, sofás onde me aninhei nos braços de quem amei. e vejo casas que já não sinto, roupas que não são minhas, e que já não me entristecem, e que já não me fazem nada.
não há uma tristeza. não há um peso. não há uma angustia. não há nada.
que força é esta. que força tenho. quem sou eu.

o regresso ao passado tão presente

não foi pelo sol que só lisboa tem, mas também foi.
ou os morangos e a manga e outra fruta que não me lembro, comprados na frutaria ali do bairro
pela rapariga dos óculos novos
tão na moda.
não foi só pela esplanada do amigo de outras histórias
com crepes de espinafres roubados da rua
em budens, de um algarve tão fora de todo o algarve.
ou as tostas aconselhadas de frango ligeiramente picante e aqueles cogumelos com um molho onde o pão mergulhava como um puto feliz na piscina do município.
não foi só por o ricardo araujo pereira a ter chamado e afinal nem la ter estado para a receber,
e ter mandado outro, também simpático para se pendurar nos postes enquanto ela me passeava na alma.
e eu, e o seu amor. ou o pássaro, como ela lhe chama, de asas grandes, que escolheu agora pousar, termos ficado ao sol. os dois. com conversas nossas. com planos, e marcações, e histórias, e momentos tão nossos. que me encheram. que me compensaram uma neve que não chegou a cair. por parvoíces. fraquezas. dúvidas.
não foi só por isto. Porque isto eu consigo escrever. e depois de ler, isto não é nada, perante tudo o que fez tudo isto valer tanto a pena.

e quero voltar.
não por isto.
mas porque me prometeram um pão especial feito em casa numa máquina nova.
e porque um dia, um novo membro de 4 patas também vai ocupar o seu espaço.
e até lá nós ainda temos de ir aos açores.

corpo dormente

corpo dormente
corpo adormecido, parado, quieto, estagnado...
talvez.
o corpo.
para se libertarem as mãos.
para se libertar a mente. a alma.
em toda a sua plenitude.

obrigada pelos "jornais que leio na esplanada ao sol"

vendo-me

chego da neve com uma companheira de silêncios como eu.
fomos duas, como pudéssemos ter ido uma. mas com companhia.
dias de paz. de beleza. de silêncios.
dias de encontros comigo.

hoje, no meu regresso, vendia a minha alma.

não sei o que fazer a tanto




ultima noite.
que significa apenas que amanha será o dia de partida.
espero ainda acordar cedo e voltar a subir a montanha.

hoje, depois de subir, e continuar a subir
de skis ainda nas mãos
com aquele andar que faz lembrar a lua, de pés muito pesados
a caminhar sobre a neve
com um nevoeiro cerrado
o branco eterno á minha volta
aquela sensação de que mais um passo ao lado e ninguém nunca mais me via.
nem eu nunca mais via ninguém.
um misto dentro de mim
que me leva aos extremos
que me deixa a flutuar de prazer e com o maior nó na alma da maior das angustias.
senti que tudo aquilo é tão demais para mim.

eu tenho neve nos cabelos

o meu topo do mundo


não é só o branco. a névoa. a luz.
não é só a tranquilidade fora do meu normal.
nem esta beleza que me chega a doer cá dentro.
não são só estes pequenos paraísos perdidos no meio das montanhas.
não é só a capacidade que tenho em sair de mim quando estou aqui.
não é só o sentir-me no topo do mundo.
do meu mundo.
é sentir também
que agora é impossível sentir mais.

se nós pintassemos uma cidade seria em cores terra


Se eu, a sara e a brigitte pintássemos uma cidade seria em tons terra.
bem, se pudéssemos pintar alguma coisa, nunca seria uma cidade.
escolhíamos casinhas pequeninas. talvez de madeira.
e se calhar, se pintássemos, já não pintávamos só de cores terra.

mas ainda estavam no meio das árvores. o chão cheio de flores. com alpendres onde se podia tomar o pequeno almoço ao sol. onde se ouvia musica de um radio qualquer. onde os cães corriam pelos campos. onde se viam bicicletas paradas junto aos muros. onde se podia ir a pé para a praia. onde havia bolo quente de maça e canela para o lanche. e chá.

certeza, certeza, era a cor da terra. nas nossas mãos. e nos nossos pés. de tanto dançarmos descalças.

era aqui que tu vivias, sara



Sara, se tu vivesses no meu centro de léon, esta seria a tua casa. a da direita.

tens a 3 minutos a pé o mercado e a 1 minuto a pé as ruas cheias de tasquinhas com tapas.

Ps: foi esta a casa que te enviei por sms. mas que não chegaste a receber.

o vício da teresa



A caminho dos pirineus ficámos em léon. onde jantámos e dormimos.
quando chegámos existiam toldos verdes a ocuparem a praça.
vazios. a prometerem.
de manhã, esta era a vista do nosso quarto.

lembrei-me de ti, teresa.
e fotografei. várias vezes.
das duas janelas.
e escolhi esta.

aqui, podias vir aos sábados de manhã.
à fruta, aos legumes, ao mel, ás flores...

podias trazer a leonor, que com tantas cores, tantas bancas, tantas escolhas,
distraía-se deixando-te distraíres-te também.

um mercado. no meio de uma praça. tão bonita.
feito de certeza a pensar em ti.
sem saberem.

deixam-me viver com o meu melhor

a importância que as pessoas têm na minha vida só pelo facto de ao lado delas eu gostar de mim.

disponibilidade mentirosa

fases de loucura de um passado de liberdades a mais.
depois de divorcios em abraços apertados ao som dos tangos. e das kizombas.
derrapagens em todas as drogas e vícios fabricados nas máquinas da minha cabeça.
com tudo á flor da pele. com a flor na pele...
pessoas escolhidas pela sua indisponibilidade.
o meu espaço um direito, um dever.

depois...
as minhas vontades dissipadas pelo tempo.
diminuídas, reduzidas, anuladas.
porque quis. porque aconteceu.
as prioridades baralhadas, desorientadas, reorganizadas
outras fases, com outras máquinas a laborarem ao som de outras musicas.
e as mesmas pessoas, com as mesmas indisponibilidades,
a baterem á minha porta.


sair de mim

vou sair de mim, e tirar umas férias.

já volto.

sem palavras

agora não tenho absolutamente nada para dizer.

por isso mesmo, achei importante vir aqui dizer isto.

epoca da procriação

não me resta a menor dúvida que com o sol chega a época da procriação.
não a necessidade de ter filhos. do lar. do ninho.
não. esqueçam isso. nada disso.
estou mesmo a falar de todos os procedimentos que antecedem tudo isto.
nestes dias eu deixo de ser eu. definitivamente.
sinto-me uma marioneta cheia de fios, a ser manobrada pelo sol.
coberta de asas coloridas como um pavão cuja disponibilidade se apresenta de braços abertos.
o corpo apetece sair a dançar
nu e descalço.
a cabeça não está aqui. nem a consigo apanhar em parte alguma.
viaja como louca pelos sonhos em areais, e campos, e mares de águas quentes.
sentada no sitio onde estou. presa a uma responsabilidade falhada.
viajo pela paixão louca de saleiros que alguém se lembrou de fotografar
tão surreal que prendeu a minha atenção.
viajo por conversas escritas, faladas, sussurradas, gritadas, pensadas.
viajo com os abraços. dados ou imaginados.
viajo pelos corpos.
pelo cheiro.
o sol acorda-me e domina-me
o sol modifica-me e liberta-me.
e comigo arrasta aqueles de quem me lembro.



volta chuva, estás perdoada...



eu gosto

eu realmente gosto muito mais de ler o jornal de trás para a frente.

um dos meus defeitos

a última palavra tem que ser sempre minha. sempre.
mesmo quando já não há absolutamente mais nada a dizer.
ou quando o que há a dizer não interessa a absolutamente mais ninguém.

a casa ventosa da minha alma

a falta de admiração pela degradação.
os braços escuros de picados não me dão pica.
as mantas queimadas de cigarros adormecidos entristecem-me.
os olhos profundos perdidos não os encontro.
limões, colheres, seringas, pratas, nunca fizeram parte dos meus sonhos.
corpos estendidos nas ruas, marcados, adormecidos quase mortos.
sombras cambaleantes encostadas ás paredes do metro.
olhares perdidos em parte alguma.
t-shirts sujas de um keith richards no altar.
o rock n roll no ar como religião a correr nas veias.
a admiração secreta de quem conhece o mundo. o submundo. a quase morte.
o sexo sem parar, sem estar lá. vazio.
o egoísmo. o silencio. o eu. o eu. o eu.
o desespero. a dor. o choro. a arrogância. o eu. o eu. o eu.
as dores de barriga. do coração. os suores.
as dores nas costas. a mentira. os cansaços.
o fígado. as hepatites. o álcool.
a morte. as doenças. a morte.
o eu. o eu. o eu.
os braços picados. as pernas imóveis. a pele amarela. as manhas passadas numa cama com o formato já do corpo.
as viagens de carro para bairros proibidos como raptos indesejados.
as historia contadas cheias de um orgulho de uma vida envergonhada.
as historias contadas a rir, que ouvidas me fazem chorar. E que envaidecem tantos seguidores cheios de admiração.
historias ouvidas como bíblias sagradas, digeridas e aplicadas, mas que me afastam. me desiludem. me desinteressam. me enfraquecem.
doenças escolhidas.
porque sim. porque querem. porque gostam. e muitas vezes porque também não conseguem que seja de outra maneira.
vidas negras ao som da música, pela música, pelos ídolos, pela amizade, pelas viagens que fazem juntos dentro das cabeças. com cores, com formas, com sensações e sentimentos que se não fosse assim nunca seriam deles.
que os tornam unidos, especiais, diferentes. que os transportam a um universo que admiram, que respeitam, e que desconhecem.

ou desconheço eu. e enganei-me. e algures pelo meu caminho, apanhei o comboio errado.




AS MINHAS FRAQUEZAS DESTROEM-ME

l'amour

não.
ela não está a morrer ainda.
ainda não se sente. a morrer.
o seu corpo ainda não se apaga como as tochas ao vento.
as mãos dela ainda acordadas querem sentir as dele.
os braços por abraçar como troncos entrelaçados numa árvore qualquer.
os pés descalços mergulhados na areia como serpentes enroscadas.
os corpos aquecidos. um pelo outro. e pelo sol. e pelo sal.
não são um. são dois. mas são um. entre os cabelos que se soltam e se agarram e se cheiram.
entre as costas que se deitam e levantam e se tocam.
entre as pernas que se enroscam e sobrepõem e aparecem e desaparecem.
e são um. e são dois. e são um.

para M. M de mãe. M de mulher. M de marida.

M, este é para ti.
porque te fiz chorar.
porque os teus olhos incharam, ao ponto de nem conseguires ver a fantástica.
que já está no fim á mais de um mês.
porque choraste desesperadamente. mas nos braços de alguém, que estava ao teu lado, finalmente, ao fim de tantos anos.
tens alguém ao teu lado. nos braços de quem podes chorar. finalmente.
choraste porque te falei coisas que te doem.
porque te lembrei de coisas que não te queres lembrar.
coisas que queres esquecer.
culpaste-me por te ter dito o que sentia.
como sempre te disse ao longo destes anos. em que te vi. em que te senti. sempre a morrer. aos bocadinhos.
em que talvez tu nuca tenhas tido a capacidade de me ouvir. a não ser agora.
e por isso só agora te tenha magoado.

M de mãe, M de mulher, M de marida.
posso voltar a fazer-te chorar.
podes vir a perder mais um episódio da fantástica que está quase acabar, mas que ainda deve durar mais uns dias,
podes voltar a acusar-me
podes até me odiar, por instantes.
mas vou voltar a dizer-to.

foste casada e tiveste uma filha.
não te conheci nessa altura.
viajaste para moçambique onde toda a tua vida se transformou.
onde parte de ti acordou e outra parte morreu para sempre.
divorciaste-te. porque optaste pela verdade.
deixaste a filha com o pai. pelo bem dela. por ela.
contaste-me tu.
nada sabia de ti nessa altura.
só mais tarde.
já tinhas uma casa em gaia. que um dia terias que vir a deixar.
uma paixão desequilibrante.
profundamente desequilibrante.
que te viria a maltratar, humilhar, desprezar, abandonar.
um trabalho que ainda te dava prazer, mas que te viria a dispensar.
relações perdidas, desamadas, que agarravas desesperadamente, pedindo apenas um pouco de amor.
que nunca nenhuma te deu.

vi-te chorar. dias a fio.
a tua filha viu-te chorar dias a fio.
vi-te dormir, tardes seguidas depois de a ires buscar á escola, enquanto ela se entretinha sozinha na minha sala.
vi-te dormir no carro, enquanto ela esperava que o pai a fosse buscar.
vi-te sair as 2h, 3h, 4h, da manha, para ires ter com quem não te merecia.
e ela ficava a dormir com a avó.
e com a avó ficava enquanto dormias no dia a seguir.
e vimos-te chorar, novamente.

E vi-nos ás duas a afundar-nos numa tristeza profunda.
incapaz de nos ajudarmos.
atendi-te o telefone vezes demais, enquanto atravessavas a ponte do douro, a dizeres que não querias mais viver.
ouvi-te arranjares as mais variadas desculpas para ires viver para outros países.
vi-te desequilibrada. carente. infeliz.
vi-te num desamor tão grande tão profundo.

mas vi-te sempre também a despedires-te da tua filha ao telefone com um "a mamã ama-te muito"
em que me faria questionar se estria a dar ainda a novela da sic.
nunca vi a minha mãe a chorar. ou foram raríssimas as vezes que a vi. mas nunca me disse que me amava muito. nunca.
vi-te dormir com a tua filha vezes sem conta abraçada a ela. e a dizeres que aquilo era o melhor do mundo.
ouvi-te, sempre, em qualquer situação, pedires, para no caso de algo te acontecer, para a gente dizer á tua filha que ela era a pessoa mais importante do mundo para ti. E que por ela tu morrerias.

Eu sei disso. eu acredito nisso.

E sei que tu és um M de mãe, um M de mulher e um M de marida como ninguém.

mas és um M com uma asa maior do que a outra. E quando voa.... alto, e rápido... desorienta-se....

Olha para ti agora.
és amada. por um homem como mereces ser.
és amada pelos amigos. que te respeitam. que te admiram.
que te dizem a verdade, porque acreditam, sinceramente, que ela no fundo te faz bem.
tens uma filha que está a aprender a conhecer a mãe.
a criar laços novos.
baseados em coisas novas. em coisas fortes. seguras.
baseados em risos e alegrias.
tens um trabalho onde és admirada. onde gostas de fazer o que fazes. onde te tornas independente.
tens uma capacidade de pôr o mundo a girar, como ninguém.
de te movimentares.
de nos movimentar.
tens um coração do tamanho do mundo.
uma disponibilidade.
um sentido de humor.
uma energia que nos mantém acordados.
não desistes. não te cansas.
lutas como ninguém.
a tua filha só pode ter o maior orgulho na mãe que tem.
eu tenho.
na marida. na amiga. na mulher. e na mãe que agora és.
eu tenho o maior orgulho em ti.

Ainda tens todo o tempo do mundo.
pega nessas asas e voa.
voa porque é bom. porque faz bem. porque é preciso.
mas voa com cuidado.
voa baixinho. sobre a cidade.
sempre a olhar pelos teus.
não vás para as nuvens.
lá, perdes-te.
lá, és infeliz.
estive lá contigo.
e vi-te.
acredita em mim.

a marida ama-te muito.
isto também parece saído de uma novela.
mas não. aprendi contigo. não cai nenhum bocado, dizer o que se sente.



bonjour tristesse

não fui eu que escrevi.
nem ninguém que eu conheça.
mas é meu.
veio de um jornal. não assinado. da mão de uma amiga. irmã. companheira de uma vida. de caminhos. encruzilhadas. silêncios. gritos. choros. e risos.
há muitos anos atrás.
foi copiado vezes sem conta de caderno em caderno, ao longo dos anos, ao longo das histórias.
pode já não ser assim, mas é assim que ele é para mim agora.


Bonjour tristesse

só sei desta tristeza
deste cansaço que há em mim
que me deixem comigo assim
que eu hoje estou assim. comigo.
que isto há-de passar.

e depois, cansada de embalar este sentir
irei deitar-me um pouco ao pé de ti.

hoje é um desses dias

há dias em que sou tão, tão, tão feliz.

o meu coração parou

o meu coração parou.
já estava cansado.
tão, tão, tão cansado.
de tanta dor. de tanta tristeza. de tanta morte de mim.
de amar tão incondicionalmente.
um amor diferente.
tão diferente dos outros.

não era um amor daqueles de uma mulher para um homem.
já não era um amor desses há muito tempo.
talvez porque num amor desses ninguém tenha de abdicar de si. para cuidar do outro.
mas um amor.
tão grande.
tão prioritário.

tão estupidamente prioritário.

O meu coração parou
um coração não amado.
não da forma que queria ser.
que devia ser.

não respeitado.
não ouvido.
não protegido.
não admirado.
não reconhecido. não conhecido.

mas agora o meu coração parou.
finalmente.
este coração parou.
este que bate há mais de dez anos.

resta-me limpar as partes que ficaram presas na alma.


este coração não voltará a bater.
não este.








Ms D

imperdoável o meu engano.
imperdoável a minha falha.
uma letra transforma a liberdade na maior das prisões.
transforma aquela que tem os braços abertos para a vida, na que está de costas voltadas para o novo.
uma letra tirava-te certamente de nós.
e levava-te para uma só pessoa.
pelo menos por muito mais tempo.
Ms D.
agora Ms D.

e só Mrs D. quando aparecer um r bem grande e que justifique e mereça.