saudades

estive a ver umas fotografias tuas
daquelas que não fui eu que tirei, por isso ainda não conhecia.
já faz tanto tempo que não ouço a tua voz.
que não te ouço rir.
que não converso contigo sobre as maiores parvoíces
ou aqueles assuntos tão, tão difíceis que só tu consegues decifrar.
já faz tempo demasiado.
já nos podíamos voltar a juntar e matar saudades.
mas não podemos.

lembro-me tão bem das nossas vidas em quarto fechado
com aquelas coisas só de mulheres.
no meio de pinças e ceras e segredos e dicas.
cremes, colares, celulites, roupa interior, gorduras.
caretas, personagens, palhaçadas, cantigas e danças.

os teus banhos de mangueira no jardim
o gel pousado no parapeito da janela
para não desperdiçar conversas.
a espuma azul, porque era talvez o mais barato do supermercado.
o jardineiro que passava sempre na altura que não devia.
ou outra pessoa qualquer.

as toneladas de fruta que comias de manhã.
e que levavas para a praia.
os sumos de ameixa para os intestinos preguiçosos.
os vestidos que já faziam parte de ti
velhinhos, já sem cor
mas que não trocavas por nada.
se não me engano é ainda um desses que trazes vestido agora.
pelo menos algures dentro da minha lembrança.

os passeios pela praia.
com os pés dentro de água.
os banhos demorados no mar do algarve.
os cigarros.
as minis.

os capuchinos que bebias enquanto estudavas.
as pausas de um humor sempre tão teu.
os cinemas.
as conversas sempre á volta de um bom prato.
ou de um prato qualquer.
os calores que te subiam á cabeça só com aquela caipirinha.
ou com aquela sangria.

a tua vida no porto.
os passeios ao douro.
a alijó.
o algarve.
celorico.
lisboa.
as tuas irmãs.
a tua mãe.
a tua avó.
o teu carro.
os teus colares.
a tua casa.
as tuas fotografias.
a tua musica.
os teus programas de televisão.
os dias 27 de todos os meses.
o dia 27 de abril.

está a fazer um ano.
tenho tantas saudades tuas.
de que forma posso ir dar-te um abraço?
e dizer-te que gosto tanto de ti?

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