coerência é o meu nome do meio. ou talvez não.

há dias que me adoro,
e outros que não me suporto.
sou contra as touradas, porque não aceito que a violência atraia as pessoas.
mas sou a primeira a ser atraída pela violência.
não compreendo a morte trágica de um touro na arena, ou nas horas seguintes,
mas sabe-me bem aqueles bifes em sangue, vindos de animais com mortes muito mais duras. e vidas.
compreendo a poligamia, mas sou incapaz de a aceitar.
sou a favor da interrupção voluntária da gravidez, por opção livre da mulher, mas se fosse o pai queria ter uma palavra a dizer.
sou contra a pena de morte, mas seria a primeira pessoa a matar quem fizesse muito mal aos meus.
abomino as mentiras, mas quando as digo são de um requinte assustador.
tenho pena da preocupação constante da imagem, e do culto da magreza, mas não há dia que passe que desejasse não ser tão gorda.
detesto as fofoquices, mas compro, por vezes, revistas cor de rosa.
a burrice incomoda-me mas sou a primeira a ter preguiça de aprender mais.
desprezo a fraqueza humana mas não faço nada que necessite de sacrifício.
sou profundamente ateia, mas gostava de acreditar que isto continua para algum lado.
detesto a igreja como instituição, mas vejo-me, nos meus sonhos mais recondidos, a casar nela.
não quero ter filhos, mas não quero morrer sem deixar de os ter.
não quero ter filhos e já tenho nome para eles.
amo a liberdade mas tenho saudades de ter horas para jantar, e de por a mesa.
não preciso de ninguém mas entupo os meus amigos com tudo o que tenho para dar.
admiro muito a força de vontade, mas sou incapaz de largar os chocolates.
queria ter actividades na minha vida, mas não saio de casa.
adoro ler, mas já não me lembro do último livro que li até ao fim.
queria comprar uma maquina fotográfica e um portátil,
mas chego a todos os fins de mês sem um centavo na carteira.
não sou racista, mas se tenho de descrever um negro, a cor é a primeira característica que indico.
no branco, não.
abomino o fascismo, a xenofobia,
mas se pudesse expulsava determinadas pessoas do meu país.
digo mal do governo, mas raras são as vezes que vou votar.
hoje escrevo isto,
amanhã posso já não concordar com nada.





2 comentários:

Ms D. disse...

Gostei das letras com que falaste.

Gostava de conseguir ser tão sincera mas algumas palavras quando escritas são ainda mais assustadoras.

Imagina tu, com este tamanho todo sou uma medricas ;)

Carlos Rangel disse...

A vida é feita de contradições! Encontrar o equilíbrio daquilo que se diz, e pensa e o que se faz é que é mais difícil. :) Bjs!